Policiar o fumeiro?
SINOPSE
Num cenário bucólico está tudo pronto para filmar a essência da ruralidade: as carnes vermelhas e o fumeiro. Isto até um Pastor entrar em cena e interromper a filmagem para explicar que a essência da ruralidade está na moderação.Com tantos “especialistas” a apregoar dietas milagrosas e a ditar o que devemos comer, todos os dias surge uma nova “moda” alimentar. Mas será que cortar nas carnes vermelhas e carnes processadas é mais uma dessas “modas”? Será mesmo necessário “policiar o fumeiro”?
Antes de avaliar os riscos para a saúde causados pelas carnes vermelhas e processadas, há que as saber distinguir. A designação de carne vermelha relaciona-se com a espécie consumida - vaca, porco ou cabra - e surge em contraste com as carnes brancas - frango ou peru. Já carne processada - enchidos, salsichas, fumeiro - refere-se ao processo de transformação a que a carne é sujeita: salga, cura, fermentação, fumagem, adição de conservantes químicos, ou outros métodos que alterem o seu sabor ou o prazo de validade. Tanto as carnes vermelhas como as carnes brancas podem ser utilizadas no fabrico de carnes processadas.
As carnes vermelhas e as carnes processadas são ingredientes chave em diversas receitas portuguesas e têm um lugar de destaque em qualquer selecção das melhores iguarias nacionais. Contudo, em 2015 passaram a fazer parte de uma nova selecção: a lista de substâncias com potencial para causar cancro. A Agência Internacional para a Investigação em Cancro (IARC) - a instituição de referência nestas avaliações - fez uma análise a mais de 800 estudos epidemiológicos e concluiu que existe suficiente evidência científica para afirmar que:
- o elevado consumo de carnes processadas está associado ao aumento de risco de cancro colorretal, o 2º mais mortal em Portugal, e cancro do estômago, o 3º mais mortal. - a ingestão de carnes vermelhas em elevadas quantidades provavelmente aumenta o risco dos cancros colorretal, do pâncreas e da próstata.
Comer carnes vermelhas e carnes processadas acarreta riscos diferentes, a análise da IARC concluiu que os perigos são mais evidentes nas carnes processadas, ainda que as carnes vermelhas provavelmente também causem cancro.
Comer 50g diárias de carnes processadas por dia – o equivalente a uma salsicha, um terço de uma alheira ou 3 fatias de fiambre – pode aumentar o risco de cancro colorretal em cerca de 18%. Já o consumo de 100g diárias de carne vermelha por dia – o equivalente a um bife do tamanho da palma da mão - parece aumentar o risco de cancro colorretal em aproximadamente 17%.
Considerando os riscos, não é preciso policiar o fumeiro nem esvaziar o frigorífico, mas há que ter alguns cuidados. O mais importante é ter atenção às quantidades ingeridas: não se deve comer mais de 500g de carnes vermelhas por semana. Quanto às carnes processadas, o mais seguro é comê-las o menos possível.
Como os alarmismos nem sempre são os melhores conselheiros, convém ter em atenção que apesar das carnes processadas terem sido identificadas como carcinogénicas e as carnes vermelhas como provavelmente carcinogénicas, isso não significa que apresentem o mesmo nível de risco de outros agentes que causam cancro. As estimativas indicam que o consumo elevado de carnes vermelhas causa cerca de 50 000 mortes por ano em todo o mundo, e as carnes processadas 34 000. São cerca de 84 000 mortes por cancro combinando os dois tipos de carnes, um valor que fica muito abaixo das mortes por cancro causadas pelo tabaco - 2,5 milhões por ano - e pelo consumo de bebidas alcoólicas - 500 mil por ano.